... todo conhecimento é socialmente construído nas relações humanas. É por meio da interação homem/mundo que o ser humano assimila a cultura, atribui significados a suas ações, aprende, constrói conhecimentos, desenvolve-se, transforma-se partindo sempre do que é socialmente conhecido para o que lhe tem significado individual, ou seja, a cultura é constitutiva do sujeito. (CAMPOS e ARAGÃO, 2012, p. 39 apud VYGOTSKY, 1994 -1998)
Entendemos que a Universidade, no contexto em que vivemos, por vezes, deixa lacunas na formação do educador e que, a escola e sua experiência cotidiana aliada aos espaços de troca e estudo da prática, são fundamentais para a formação continuada do educador. Assim, falar sobre o conhecimento construído socialmente, nas relações humanas é também defender a escola como lugar de excelência para que a formação aconteça.
(Esse é o trecho de um texto que escrevemos ao refletir sobre o tema acima, proposto por uma professora e arte educadora no grupo. Propomos, a partir dele, a questão abaixo para discutirmos juntas sobre as possibilidades. Ao final do ciclo de conversa, publicaremos o texto na íntegra.)
Que desafio você encontra para sua própria formação?
O desafio de alinhar teoria e prática sempre foi desafiador, desde o início de minha carreira. Ao fazer um exercício de memória da minha jornada de educadora, lembro do sofrimento ao assumir minha primeira turma de maternal e não saber por onde começar. Como sempre gostei de ler e sou curiosa, a teoria sempre foi a parte "fácil" e, talvez por isso, ao longo da minha carreira dei saltos, que não foram construtivos. Gostaria de ter sido assistente de uma professora experiente e sabida por um ano, ou ter tido uma boa coordenadora/mentora, antes de ter assumido uma sala de aula, com apenas seis meses de experiência como assistente de corredor! A falta de sinergia entre universidade e escola foi evidente no meu processo de formação inicial. Esse ainda é o primeiro e grande desafio da formação de professores.
Já no ambiente escolar, que é um espaço privilegiado de formação continuada, tive três tipos de experiências:
- a primeira muito solitária, sem colaboração, sem troca, era eu e meus registros.
- a segunda, já mais madura e em um ambiente cultural bem diferente, foi um tipo de "luz". Muita colaboração, diálogo, definição de metas, foco no aprendizado dos alunos, objetivos claros, reflexão e pesquisa...
- a terceira, tinha muito foco nas metas de aprendizagens dos alunos, e nos "padrões" de ensino da instituição, o professor não era protagonista, mas era cobrado para atingir as metas de aprendizagem dos alunos.
Todo esse processo de lembrança de experiências pessoais me faz refletir sobre a importância de considerarmos todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Não dá para padronizar formas de ensino, sem o professor estar envolvido com o planejamento, assim como não dá para falarmos de educação sem estarmos envolvidos com educação. Ao falarmos da escuta do aluno, não devemos esquecer da escuta do professor, da colaboração e discussão democrática entre seus pares, e do valor de seu olhar e de sua autoria no processo de planejar e documentar.
Sempre vi o professor como figura central para a garantia de aprendizagens e quanto mais qualificado ele for, quanto mais formação ele receber, melhor será sua prática. O desfio da transposição didática, se dá com pesquisa didática, observação, escuta (dos alunos e dos professores), registro, colaboração e clareza de intenções. Acredito também na horizontalidade e humildade, de assumirmos que o processo de aprendizagem envolve todos, igualmente, e é para a vida toda.
Outro grande desafio, é que ao falarmos da importância de desenvolvermos competências sócio-emocionais para o século 21, temos que considerar que não dá para "ensinarmos" abertura ao novo, autogestão, engajamento, amabilidade e resiliência emocional, se não formos exemplos, ou modelos dessas competências para nossos alunos ou nossos "coordenados/orientados". Não dá para cobrarmos empatia se não somos empáticos. E como incluiremos também essas habilidades na formação do professor?
Investir em autoconhecimento e propósito talvez nos faça transformar o discurso/sentimento de que o professor é aquele que ensina, para o de que o professor é aquele que transforma o futuro de uma pessoa, de uma geração e, porque não, de um país.
Já que finalizo com uma reflexão mais política sobre o tema, gostaria de citar duas falas que ouvi recentemente, em um debate entre jovens lideranças políticas, sobre educação: "não é porque não é sua culpa, que não é sua responsabilidade" e completo com o significado desta última palavra "responsabilidade=responder com habilidade". A responsabilidade de termos uma educação de qualidade é nossa: professores e formadores, profissionais educadores.
Olá, Daniela! Quantas boas provocações você nos traz com sua reflexão... Destacamos em seu texto dois aspectos que têm estado tão presentes em nossas reflexões e discussão sobre a formação... Formação continudada de professores (incluímos ao falar de professores, coordenação, assessor pedagógico e direção) e a pesquisa/autoria do professor. Defendemos fortemente a formação continuada no "chão" da escola. A possibilidade de discutir junto, sobre o contidiano de sala de aula. De estudar com e entre os professores os registros, refletir sobre as ações, produzir documentações que ajudem a revelar o ensino e a aprendizagem de alunos e professores. Esses espaços de troca, em nossa concepção de ensino, são de fundamental importância e nos tiram da condição solitária da formação, como você a ponta, ao mesmo tempo em que potencializa nossas construções, reflexões e a construção de teorias sobre o nosso ensinar e aprender.
Essa é a porta aberta para a construção e/ou fortalecimento da autoria e pesquisa do professor. Esse professor pesquisador que confronta olhares, que registra, que dialoga com os pares e também com teóricos que têm investigado diferentes temas. Professor que se desloca da condição de reprodução de informação para alguém que produz conhecimento. Aspecto que, como você bem aponta, não se constroi com imposições, mas com bons "modelos", com parcerias potentes e, sobretudo, com espaço e investimento da escola e de cada profissional, para que essas construções se dêem.
Sigamos nessas reflexões...
Na próxima semana, abriremos um tema que, por ter muita relação com o cotidiano da sala de aula, pode nos provocar reflexões e trocas relacionadas ao cotidiano formador, os desafios e as possibilidades de ensinar e aprender a partir da realidade da sala de aula.